segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Hora do conto.

O Prof. Rui Quinteiro contou esta história a todos os alunos do pré-escolar e 1º ciclo do agrupamento

A Tia Miséria
No cimo de um monte, longe da povoação vivia uma velhinha muito pobre e solitária: era conhecida pela tia Miséria.
Vivia numa casinha de pedra e madeira e tinha um pequeno quintal com árvores de fruto onde praticava agricultura biológica; cultivava todos os legumes que precisava para a sua alimentação saudável. Ela adorava comer a sua alface, cenoura, curgete, tomate, beringela, rabanete, mirtilos e framboesas. Nunca comia fritos nem gorduras. Só de vez em quando é que comia uns biscoitinhos caseiros com pouco açúcar, que eram feitos por ela própria, quando tinha tempo para isso. Em frente à porta tinha uma figueira muito especial.
Tudo sofria com paciência e resignação, mas só uma coisa não desculpava, nem perdoava: que os garotos subissem à figueira e lhe roubassem os figos. Nunca tinha conseguido provar um único dos seus figos.
Uma noite bateu-lhe à porta um peregrino; correu a abri-la e deu ao peregrino a migalha de pão que reservava para si.
No dia seguinte, despediram-se e ele, como forma de agradecimento, disse-lhe que pedisse o que quisesse.
- Só peço que quem subir à minha figueira não possa descer sem o meu consentimento - respondeu a velhinha.
No outro dia, quando saiu à rua, encontrou três garotos em cima da figueira.
- Oh tia Miséria, perdoe-nos pelo amor de Deus! Tire-nos daqui, não podemos descer.
- Ah seus marotos! Não sabem que roubar é muito feio? Por esta vez, vá; se lá voltarem hão-de ficar lá muitos anos.
E os garotos desceram e não mais voltaram à figueira.
Um dia de manhã, entrou-lhe em casa uma mulher de horrendo aspecto, vestida de negro e armada de foice com asas negras nos ombros e nos pés.
- O que me quer? - Perguntou a Miséria a tremer.
- Eu sou a Morte e venho-te buscar!
- Já? Espere mais uns anitos!
- Não pode ser - respondeu a Morte.
- Faça-me ao menos um favor: suba à minha figueira e apanhe-me um figuito. Quero comê-lo.
A morte subiu à figueira, mas não pôde descer. Pôs-se a chamar a velhinha. Esta respondeu: tem paciência, aí ficarás para todos os séculos. És má, tens feito muitas desgraças…
E a Morte ficou em cima da figueira.
Passados dias tinha a velhinha em frente da sua porta um exército, composto de padres, ministros, jornalistas, médicos, enfim, de todos aqueles indivíduos que lidam com a morte diariamente. Todos pediam à velhinha que autorizasse a Morte a descer da figueira, mas a velhinha respondia: «Não quero, não quero e não quero.»
Falou então a Morte do alto da figueira e fez com a velhinha um contrato: poupar-lhe a vida enquanto o mundo fosse mundo. A velhinha consentiu e a Morte desceu. Por isso enquanto o mundo for mundo a miséria existirá sobre a terra.

Reescrita e recriação de Rui Quinteiro

Texto adaptado a partir de
Teófilo Braga, in Contos Tradicionais do Povo Português, Texto Editores.

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